Reflexões do Sínodo da Família pelo Pe. Jesús Díaz Alonso,SF - Superior Geral da Congregação dos Filhos da Sagrada Família.
Durante o último mês de outubro tive a graça de participar, representando os religiosos da USG, no Sínodo da Família, convocado pelo Papa Francisco sob o lema: “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. Já havia acontecido a Assembleia Sinodal Extraordinária em outubro de 2014 e esta de 2015 recolheu as contribuições que chegaram em Roma vindas de todas as partes do mundo. Nunca houve tanta participação em um Sínodo como este e uma das razões é a vontade, manifesta tantas vezes pelo Santo Padre, de escutar as pessoas, as famílias para poder responder adequadamente, desde a fé e a misericórdia, as suas situações concretas.
Eu vivi este Sínodo como uma profunda experiência de comunhão eclesial, sentindo-me parte de uma Igreja que caminha junto, em comunhão, buscando ler a realidade com os olhos da fé e o coração em Deus; acompanhando os irmãos e as famílias como bons samaritanos capazes de unir fé e vida, doutrina e pastoral; e também, com uma atitude aberta ao Espírito convencido de que “as portas fechadas traem a missão da Igreja que busca, se inclina, cura, atende os enfermos que necessitam de médico”; sem medo à verdade da fé nem à misericórdia “coração do Evangelho” que fecha as feridas depois, mas curando-as antes, ainda que doa ao fazê-lo. E também o vivi dando graças a Deus pelo testemunho heroico daquelas famílias que vivem e celebram coerentemente a fé em tantas partes do mundo e em situações, em ocasiões, realmente difíceis.
Na noite do dia 24 de outubro celebramos em Roma a Vigília de oração prévia do Sínodo. Depois de escutar testemunhos de casais de namorados, noivos e famílias, reflexo da diversidade de situações e também do compromisso de fidelidade, o Papa, diante de milhares de famílias, nos lembrou, num precioso discurso, em clara sintonia com nosso carisma congregacional e apostolado educativo-familiar, que é necessário “Voltar à Nazaré”, à vida da Sagrada Família que com “o trabalho silencioso, pela oração humilde”, nos ensinam que o modo de entender a família hoje é entrar “também nós no mistério da Família de Nazaré, em sua vida escondida, cotidiana, e ordinária, assim como é a vida da maior parte de nossas famílias, com suas dores y suas pequenas alegrias; vida entrelaçada de paciência serena nas contrariedades, de respeito pela situação de cada um, dessa humildade que liberta e floresce no serviço; vida de fraternidade que brota do sentir-se parte de um único corpo”.
O Papa disse claramente: “Voltemos a Nazaré para que seja um Sínodo que, mais que falar sobre família, saiba aprender dela, na disponibilidade para reconhecer sua dignidade, sua consistência, e seu valor, não obstante tantas penalidades e contradições que a possam caracterizar”. Que Jesus vivera trinta anos de vida familiar em Nazaré e três anos de vida pública, significa a grande importância da família aos olhos de Deus; que ensinara o vivido e o experimentado no lar nos lembra a força das origens: um tempo de intimidade familiar que, sob o olhar de Maria e José crescia acompanhado de tantos pequenos gestos e cotidianos que nascem na vida do lar. Voltar a Nazaré é um claro convite a “viver no lar” e também a repensar a pastoral para que responda, desde a escuta prévia e a proximidade com a história cotidiana, com a totalidade da experiência e da pessoa humana. Uma pastoral que escuta a família, que propõe Nazaré e caminha com a família para o ideal de uma vida santa que é possível alcançar, com a Graça de Deus, pois cada família “é sempre uma luz, ainda que frágil, na escuridão do mundo”.
Na Tradição da Igreja e em tantos escritos espirituais de tantos santos e santas, muitos deles fundadores como São José Manyanet e fundadoras, se propôs a Sagrada Família como modelo e exemplo para a vida e a espiritualidade das famílias cristãs. Mais além do aspecto meramente devocional, o povo cristão soube ver no lar de Nazaré a presença do Filho de Deus que se encarna em uma família histórica, simples, com dificuldades...; descobriu, nela, as primícias da Palavra de Deus escutada, acolhida, celebrada e vivida; o valor da vida cotidiana e diária como lugar de santificação; o respeito pela vocação de cada membro no cumprimento da vontade de Deus; o crescimento integral num espaço privilegiado de humanização e a experiência do encontro, do vivenciado, o experimentado como escola de vida.
Os acontecimentos da família de Jesus nos ensinam também que a história de cada família há de ser compreendida em sua singularidade, nos acontecimentos concretos cheios de alegria, entrega, sacrifício e nos ensina que nunca deveria ser julgada só dentro dos limites de uma norma, lei, ato jurídico ou legal. De fato, sobre a santidade da família falam não tanto de sua conformidade à lei, mas à vida concreta, as alegrias e lágrimas, o caminho percorrido, as experiências vividas. E neste sentido a Sagrada Família nos ensina que mais que falar de família no sentido geral, com o risco de cair na ideologia ou ser abstratos, é melhor entrar nas casas particulares e tratar de entender qual é o pão que compartem cada dia, qual é seu preço e seu sabor. E, sobretudo a família de Nazaré nos ensina a necessidade de reconhecer os preciosos fragmentos de santidade que compõem a vida de cada família, sem excluir nenhuma, além das aparências.
Se Jesus em três anos pregou o que viveu durante 30 anos em Nazaré, isto teve que ser necessariamente importante. A celebração da festa da Sagrada Família e da semana da família e da vida nas comunidades cristãs, paroquiais e educativas de nossos centros pastorais, a acolhida e o acompanhamento das famílias, a educação na afetividade e a preparação dos jovens ao matrimônio, a “catequese familiar”... e, ainda que pareça um detalhe menor, a presença de uma imagem ou ícone da Sagrada Família nas famílias e paróquias (em muitas comunidades se mantêm a capelinha que “visita” os lares) podem ser meios concretos que nos aproximam a Nazaré, lar e família da qual “devemos reiniciar nosso caminho”. Por fim, não podemos esquecer que a família é o grande dom, o grande presente deste “Deus conosco que não nos abandonou na solidão de viver sem ninguém, sem lar” e expressa um dos mistérios mais lindos do cristianismo: “Deus não quis vir ao mundo senão através de uma família” (Papa Francisco) que se estabeleceu em Nazaré.
Revista Sagrada Família (Espanha), nº 1449, p. 4-6
Tradução: Pe. Evton Bezerra, SF (Pároco da Paróquia Santa Maria Goretti - Curitiba/PR)